Adorei este texto! Muito bem escrito em de uma clareza impar!
Música baiana, em estado de
imbecilidade:
O pagode baiano usa expressões
chulas e palavrões que são reproduzidos por crianças, adolescentes e jovens, e
que empobrecem a cultura, reforçam a idéia de um estado analfabeto.
Quando alguém pronuncia a
palavra analfabetismo na Bahia, e se essa declaração parte de um acadêmico,
branco ou da elite, parece tratar-se de racismo, discriminação e ódio.
Quando dizem que o som do
berimbau é simplório, e que qualquer um pode reproduzi-lo sem maiores
conhecimentos instrumentais, por possuir apenas uma corda, logo diriam, é mais
um que odeia as raízes baianas, suas influências e sua cultura.
Isso já ocorreu na Bahia e deu
muito pano pra manga.
E quando dizem que a música
baiana está cada dia pior, e que o pagode não passa de mais um sonoro
palavrão
multiplicado por milhares de
incautos, ignaros e estúpidos, certamente repetiriam, trata-se de mais um a
ver-nos como sub raça, desinformados e inconformados.
Pois é... E quando essa
declaração parte de um sujeito pardo, de origem negra e indígena, e que cursou
apenas o segundo grau?
Aí, certamente dirão, trata-se
de um oportunista, um comunicador frustrado ou de alguém que não conseguiu
galgar os seus objetivos.
Pois bem, esse rodeio, meio
despretensioso, mas importante, é para falar do grau de imbecilidade a que
chegou a música baiana, principalmente ao pagode aqui produzido e
consumido.
Não falo do Axé, que apesar da
mesmice, não usa palavrões nem ridiculariza a Bahia como Estado
analfabeto.
Como estudei numa das escolas
mais influentes da Bahia, (principalmente nos anos 50 e 60), o Colégio Central,
e também participei da coletânea poética em homenagem ao sesquicentenário da
instituição, e fiz teatro e poesia nas ruas de Salvador, se eu pronunciar
algumas palavras (ões) e gestos obscenos da música baiana, vou assinar abaixo do
que se diz da Bahia pelo Brasil afora, de que é um povo mal educado, sem cultura
e que só gosta de balançar o 'bundalelê'.
E, vendo de perto, algumas
coberturas jornalísticas pela Bahia adentro, chego a interrogar-me quanto às
minhas origens.
E chego a duvidar que tivemos
em nosso berço um Raul Seixas, um Castro Alves, um Wally Salomão, um Jorge Amado
- que mesmo produzindo alguns palavrões, nunca foi um turpilóquio -, e tantos
outros que enalteceram e alguns que ainda enaltecem e fazem lembrar que tínhamos
uma cultura.
Mas, quando vou ao Campo
Grande, e ouço Caetano Veloso dizer que ' Xanddy é lindo ' e que ele é ' uma das
novas expressões culturais' da Bahia, chego a duvidar que sou baiano de verdade,
daquele que comeu tripa seca e farinha de rosca pra não morrer de fome.
E eu acho Caetano uma das
maiores expressões da música mundial, apesar de ' requentar ' vez ou outra
alguma música, que no passado foi considerada ' brega '...
' Aí ' me conformo e vou ouvir
um pouco de Xangai, que, entre algumas de suas pérolas, fez o ' ABC do
preguiçoso ', que endossa a tese dos sulistas, de que ' o baiano só é gente até
o meio dia '. E então o que será o baiano durante a tarde?
É uma legião de trabalhadores,
cujo estigma de preguiçoso foi amplamente difundido pelos meios turísticos, uma
forma de falar da tranquilidade, da "maresia" e do sossego baiano.
O saudosismo aflora e me remete
à década de 1980...
Lá, até 1985, os shows em
Salvador, no Projeto Verão, no Centro de Convenções da Bahia, eram bastante
disputados.
No palco, Gil, Caetano, Milton
Nascimento, Beto Guedes, Barão Vermelho e tantos outros que arrastavam
multidões.
Na Barra, shows com Morais
Moreira, Luis Caldas e Armandinho com A Cor do Som, encantavam e lotavam a
praia.
Retorno ao meu trabalho de
coberturas de eventos com música baiana, e lá, estampada em minha frente, uma
multidão de 20, 30 mil pessoas numa avenida. As meninas, os meninos, dançam como
se tivessem sido libertados naquele instante.
Mais parece um balé de zumbis,
daquele extraído dos filmes de terror das décadas de 70 e 80.
Ou então em um orgasmo
coletivo, algo do tipo promovido César ou qualquer outro Calígula da nossa
imaginação.
E em uníssono, eles repetem as
frases, os refrões e fazem todo o gestual obsceno para completar o enredo
empobrecedor.
E o vocalista da banda grita,
berra e pede para que todos ecoem aos quatros cantos; "Aponte o corno aí, diga
que é corno".
E todos riem, como num circo,
mas deveriam chorar ao debruçar a cabeça no travesseiro.
A grande maioria desempregada,
deseducada e pobre. Desiludida pela face cruel do ensino que lhes oferecem nas
escolas públicas, entregam-se aos bailes horrendos como se fossem a última ópera
da vida deles. E se entregam de corpo e alma à missão.
Os maiores patrocinadores da
música baiana no interior são as prefeituras, que gastam somas vultosas em
festas, micaretas, aniversários e inaugurações, contratando bandas que em nada
enriquecem a cultura popular, em detrimento do folclore, das raízes de cada
cidade e de sua história.
E lá se vão tubos e mais tubos
de dinheiro público pelo ralo.
E voltam para casa sem saber um
verso de Vinícius de Morais, sem ter-se envaidecido por ser brasileiro ao ouvir
Pixinguinha, sem ter-se delirado com os versos não menos preguiçosos de Dorival
Caymmi, sem ter-se deleitado à sonoridade de Bethania e Gal, ou ter-se
maravilhado ao som poético de Gilberto Gil...
"Esses moços, pobres moços, ah,
se soubessem o que eu sei....", disse Lupicínio Rodrigues, em uma de suas
canções, imortalizada na voz de Gilberto Gil.
E vão me perguntar o que tenho
feito para mudar o que já está construído. Nada.... Sinto-me impotente...
Apesar de radialista de
profissão, jornalista por paixão, não consigo convencer a ninguém do
contrário.
A música baiana vai continuar
tocando assim durante muito tempo. Mas um dia acaba!
Lutar contra o mercado é muito
difícil. É uma máquina de fazer dinheiro a qualquer custo!
E ninguém está preocupado com a
educação, com a cultura, com o folclore.
A mídia baiana enaltece,
enobrece, escancara esses palavrórios como deuses.
Até que duas meninas aparecem
decapitadas numa esquina qualquer.
De quem é a culpa?
Vanderley Soares
Radialista/Jornalista - DRT
5892
Editor do Jornal Gazeta dos
Municípios
Alagoinhas-Ba
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