segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Quem tudo quer nada tem O desejo de ter coisas não tem fim. Quando inflamos esse sentimento não aproveitamos o que já temos – e acabamos ficando sem nada

por Eugênio Mussak


As duas motivações essenciais do ser humano são atender às suas necessidades e satisfazer seus desejos. Elas estão ligadas aos instintos de evitar sofrimento e obter prazer, que em geral estão juntos e por isso podem se confundir. Por exemplo, buscamos o alimento para saciar nossa fome (evitamos sofrimento), mas também porque ele é saboroso (obtemos prazer). Essa foi uma solução da natureza para garantir nossa sobrevivência e a de nossa espécie. A reprodução, por exemplo, precisa do sexo, que é praticado porque é prazeroso. Necessidade e desejo mais uma vez juntos.

Mas é justamente aí que mora o perigo, pois o ser humano, que é um ser racional, mas não necessariamente razoável, confunde tudo e busca ter muitas coisas porque imagina precisar delas, quando na verdade apenas as deseja. Não há nada de errado com os desejos e com o prazer, a não ser o limite. É como a diferença entre o remédio e o veneno: a dose. Por exemplo, o prazer derivado do ato de possuir objetos às vezes é totalmente eliminado pelo desejo de possuir cada vez mais. Dizemos que “quem tudo quer nada tem” exatamente porque, enquanto a pessoa fica “desejando” ter coisas, não curte o que já tem, o que equivale a não ter.

Querer possuir bens, usufruir os benefícios do dinheiro no sentido de construir, para si e para os outros, uma vida mais plena e mais tranqüila é uma postura racional, aceitável e até necessária, considerando que esse desejo é um dos propulsores do progresso. Entretanto, olhando o outro lado da moeda, podemos encontrar um comportamento humano equivocado, em que a sensação de felicidade passou a ser confundida com o sentimento de possuir coisas. Convenhamos, ser feliz não pode depender de uma postura assim tão materialista. Caso contrário, felicidade seria um produto fácil de encontrar nas prateleiras do supermercado ou das lojas do shopping center. O que preocupa é que há muita gente pensando e agindo exatamente assim.

Há anos tenho conduzido uma pesquisa particular junto aos meus alunos de MBA, perguntando quais são seus planos para o futuro. A pergunta objetiva é: como você se vê daqui a 20 anos? Considerando que eles estão na faixa dos 20, essa pergunta os remete para a maturidade. As respostas variam, é claro, mas a maioria envolve coisas como: daqui a 20 anos eu gostaria de ter uma empresa sólida, uma casa grande, condições de viajar bastante e tranqüilidade com relação à minha sobrevivência e de minha família.

Não há nada de errado com essas respostas, a não ser o fato de que elas envolvem exclusivamente o desejo de ter coisas. Passamos então a uma discussão sobre o assunto e, no final, chegamos a um consenso: o ter é uma conseqüência de três fases anteriores: o ser, o aprender e o fazer.

O ser envolve a realização de nossa essência, o que reflete na maneira como somos vistos, por nós mesmos e pelos demais. O aprender está ligado ao estudo e ao desenvolvimento de habilidades e competências. E o fazer, que depende dos dois anteriores, produz realizações que, finalmente, podem culminar no ter.

Ninguém discorda. Possuir bens depende de nossa capacidade de ganhar o dinheiro em primeiro lugar, o que torna claro que há fases anteriores ao ter. Então por que esse hábito de imaginar o futuro baseado na capacidade de possuir coisas? Por um motivo simples: é mais fácil. O mundo dos sentidos estabelece uma relação mais direta do homem com seu ambiente do que o mundo das idéias. É muito mais simples ver-se no futuro como dono de uma “empresa sólida” do que imaginar-se sendo uma pessoa “capaz, dedicada e ética”, que são as condições que permitiriam a construção da tal empresa.

Ser feliz é o que interessa
Uma pesquisa do psicólogo americano Martin Seligman demonstra que a felicidade é o resultado de três fatores: o engajamento, o significado e o prazer. O engajamento representa a capacidade humana de se envolver com algo, como o trabalho, um hobby ou uma causa de qualquer natureza. O significado tem a ver com entender a razão da própria existência, o que com muita freqüência é buscado através das religiões, apesar de haver outros caminhos, como a amizade verdadeira, a família e a ética social. Já o prazer, este tem várias faces, como a apreciação da arte, o humor, o sexo e, claro, o sentimento de possuir e consumir coisas.
Dos três elementos, o prazer é o único que pode ser comprado. Teoricamente, seria o caminho mais fácil para a felicidade. Entretanto, ele sozinho não se garante, pois depende da interação com os outros dois. A felicidade que deriva apenas do prazer de possuir coisas é efêmera. É aí que se estabelece a confusão. Em vez de complementar o prazer engajando-se em causas e dando significado para a vida, muitas pessoas insistem em procurar a felicidade somente no consumo.

Ora, não se pode “comprar” a felicidade, e quem não percebe isso acaba querendo cada vez mais coisas para preencher o vazio existencial. Quem tenta ser feliz apenas a partir das coisas que possui está tentando transportar água em um balde furado. A água escorre e precisa ser reposta, a não ser que se consertem os furos.

Essa situação aparece em um filme que retrata Hollywood na década de 30 chamado Os Insaciáveis. É inspirado no livro de mesmo nome do autor americano Harold Robbins, que também escreveu Os Libertinos, Os Implacáveis e outros personagens-título designados por atributos nada elogiosos. Os romances foram traduzidos para o português por Nelson Rodrigues, que os classificava como “um momento da estupidez humana”. Apesar disso, esses livros e filmes fizeram o maior sucesso.

Robbins se considerava um moralista, e usava uma técnica literária primitiva: mostrava o que de pior há na alma humana, permitia o sucesso do vilão para então puni-lo no final.

O insaciável em questão era um produtor de filmes que queria ter o máximo de poder em Hollywood, ganhar todo o dinheiro e ter as mais belas atrizes à disposição. Para realizar seus desejos não poupava nem os aliados, que se transformavam em joguetes em suas mãos. Acabou quebrado e sozinho.

O filme é ruim, e o livro, questionável, mas o tema é inquietante porque mexe com uma faceta da condição humana que é a de querer ter tudo, ultrapassando os limites da necessidade e da própria dignidade.

O título do filme em inglês é The Carpetbaggers, expressão americana usada para designar os nortistas que, após a Guerra Civil, se aproveitavam da desorganização reinante no sul para roubar e tirar o máximo de vantagem.

Transformavam tapetes em sacos para transportar objetos roubados, daí o nome carpetbagger, “aquele que carrega um saco feito de tapete”. Nada mais deprimente.

E nada mais estúpido, pois os soldados que assim procediam não conseguiam transportar também suas próprias provisões e armas, o que fazia com que acabassem perdendo o que haviam roubado por não poderem se manter ou se defender. Queriam tudo, e acabavam ficando sem nada.

Um comentário:

  1. A pirâmide das necessidades de Maslow, se perde quando sua aplicabilidade é direcionada para o homem. A buscar por ter aquilo que não se sabe bem o que é, se confunde com muitos outros desejos.
    Dai a máxima, quanto mais se tem, mais se quer. Saber e reconhecer o que procuramos é fundamental.

    ResponderExcluir